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Vieira da Silva - História Trágico-Marítima ou Naufrágio (1944) |
Em 2 de Fevereiro de 2012, li num
jornal que o nosso insigne ministro das Finanças de nome Gaspar, numa
entrevista ao Financial Times, numa
retórica e patriótica comparação, declarava que os abissais desafios com que
actualmente nos confrontávamos eram insignificantes para um povo que
historicamente tinha já superado obstáculos bem mais gigantescos: “quando os
nossos navegantes se fizeram ao mar […] não tinham controlo absoluto sobre como
seria o seu desempenho perante as tempestades”. Mas, inspirado no poema épico
de Camões e assumindo a tradição dos Bartolomeus, Eanes e Gamas, acrescentaria:
”Temos tradição de ser bons marinheiros e de nos prepararmos para todas as
tempestades”. Na noite anterior à entrevista pedira aliás a um dos seus devotados
adjuntos que lhe lesse um resumo d’Os
Lusíadas, pois o tempo era escasso para tão árdua leitura. Precisava de se
inspirar nas Musas da Pátria, as Tágides da sua memória escolar, bastante
desgastada com a sua longa ausência da terra natal, devido aos apelos dos
Bezerros de Oiro que na estranja há muito reconheciam os talentos deste sábio
do numerário.
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Otto Griebel (1895-1972) - Um Desempregado dos Anos 20 |
Mas, para infelicidade nossa e do
Gaspar, este teve de mudar o rumo das histórias, já que tudo o que previra para
superar os Adamastores da nossa crise financeira havia naufragado, com tantas
trombas de água e enjoos a bordo face a tal turbulência. Em Maio de 2013, o
nosso Primeiro, o astuto Coelho, face ao naufrágio anunciado do seu guru
financeiro, entretanto regressado de uma ilha deserta para onde o cataclismo o
lançara com outros destroços, resolveu aconselhá-lo delicadamente a mudar a
rota das metáforas. Talvez o Fado, essa genuína toada da alma nacional, sugeriu
o notável Gaspar. Dolorosamente pensativo o nosso Primeiro teve então um clarão
súbito, melhor do que o Fado, demasiado abstracto para os ouvidos da populaça,
talvez a recente história trágica do Benfica, essa glória asada dos anos 60 e
com cem milhões de adeptos pelo mundo, nos pusesse a navegar à bolina do
imaginário nacional. Mas eu sempre fui do Sporting, ripostou apreensivo o
notável Gaspar. Não te preocupes, com uns telefonemas arranjo-te um cartão de
sócio até com a data do teu nascimento. E assim foi. Em 30 de Maio de 2013,
durante um almoço de empreendedores, organizado pela Câmara de Comércio e
Indústria Luso-Espanhola, o insigne Gaspar foi convidado a proferir uma douta
conferência sobre o estado da Nação. E quando a ilustre assistência se
preparava para ouvir uma sábia lição sobre o presente e o futuro desta
depauperada nação (empresas falidas, um milhão e meio de desempregados, as
trombetas do Apocalipse a troar no céu lusitano), eis que da voz
simultaneamente sibilina e humorada do conferencista saíram estas palavras
inesperadas: “Queria pedir a vossa simpatia pelas semanas que tenho vivido como
adepto do Benfica. Esta questão de perder sucessivamente 2 – 1, em alguns casos
depois do tempo regulamentar, é de facto uma provação que merece toda a
simpatia”. E assim se deu a volta ao texto, melhor ele deu uma prova da sua
identificação com o genuíno trajecto da gesta nacional: derrotados mas
eufóricos por mais estas vitórias morais.
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Frederic Watts - Esperança (1886) |
E para aqueles que pensam que o
tempo dos três efes (Fado, Fátima e Futebol) passou à História, desenganem-se,
pois para esta tragicomédia acabar em apoteose, o nosso Presidente Cavaco
agradeceu a Nossa Senhora de Fátima pela aprovação da 7ª Avaliação daTroika. Será
que o nosso D. Sebastião estará prestes a regressar do nevoeiro?
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Salvador Dali - Construção Mole com Feijões Cozidos (1935-36) |
PS – E para os mais distraídos que pensam que esta história
se passou no Reino da Barataria, é meu dever de cronista informá-los de que
todos estes factos são verdadeiros e se passaram nesta infortunada nação
chamada Portugal que, segundo o Poeta, é o rosto da Europa que “Fita, com olhar
esfíngico e fatal,/ O Ocidente, futuro do passado”.
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Gustave Courbet - Tromba de Água (1869-70)
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Albrecht Dürer - Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (1497-98)
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James Ensor - Os Sábios Juízes (1891)
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James Ensor - A Raia (1892)
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,Regresso+dos+barcos+de+Pesca,1895.jpg) |
Hendrik Mesdag - Regresso dos Barcos de Pesca (1895)
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Bonaventura Peeters (1614-1652) - Tempête dans le Grand Nord (2º quartel séc. XVII) |
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Pieter Bruegel - O País da Abundância (1567)
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