sábado, 31 de dezembro de 2011

O Tempo é um Rio sem Margens

Chagall - O tempo é um rio sem margens (1930-39)

 
 
  Ano novo, vida nova. No percurso da nossa finitude dominado pelo tempo vectorial, para atenuar a imagem do nosso inexorável fim, fomos inventando os rituais do tempo cíclico, específico das Estações, das fases da lua ou da sucessão dos anos, neste caso, imaginando que a renovação do mundo velho incorporado no simbólico ano que termina pressupõe a encenação do caos. Ordem velha, caos e nova ordem. Por isso no trânsito entre o ano que termina e o que começa o esplendor do ruído simula simultaneamente a festa da ruptura imaginária e a efémera desordem inerente a um ritual de passagem. Antigamente, até onde a minha memória alcança, nos bairros populares de Lisboa era costume deitar para a rua os trastes velhos, como se com eles deitássemos borda fora o tempo velho. Hoje mais artificiosos, ao ritmo da festa dos fogos de artifício, do borbulhar do champanhe ou espumante, consoante as bolsas, e da gritaria, clamamos os desejos para o novo ano, comendo, segundo a nossa tradição, as doze mágicas passas. Mas, como “o mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa), que seria de nós sem estas formas ardilosas de ludibriar o tempo “real”? Se não fosse a fantasia colectiva seríamos meras máquinas racionais subjugadas aos imperativos de Cronos. As ficções que criamos são a verdade da nossa mentira. É um jogo, no teatro da vida. O outro tempo é um mistério e a consciência angustiada da nossa finitude, mas ninguém pode viver permanentemente no fio da navalha, por isso criámos os tempos que tanto regulam a vida social, como nos libertam provisoriamente das imagens angustiadas do fim, de cada um de nós ou do universo de valores em que podemos dizer eu ou nós. Por isso cada civilização tem o seu modo próprio de contar o tempo de acordo com os seus paradigmas mitológicos. A passagem de ano é pois um tempo de festa, embora nem todos a possam viver como tal, nas ruas, no turbilhão dos corpos, na intimidade da casa entre amigos, ou nos comerciais “réveillons”  dos hotéis, fábricas de produzir euforia. O tempo é um rio sem margens, estas são uma construção da nossa imaginação.

Um Bom Ano para todos!



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Histórias dum Império Crepuscular – O Fado Tropical

Afonso de Albuquerque (1460-1515)


Comemoraram-se há dias (18-12-2011) os 50 anos da queda do então designado Estado Português da Índia (Goa, Damão e Diu), após invasão ou acção de libertação, consoante as perspectivas, das forças armadas da União Indiana, com a sequente anexação do que restara do império colonial português naquele território. Também em 4 de Fevereiro do mesmo ano (1961), nacionalistas angolanos atacaram, em Luanda, a Casa de Reclusão Militar, o quartel da PSP e a Emissora Oficial de Angola, movimento insurreccional que sinalizou o início da revolta dos povos africanos pela sua emancipação relativamente ao poder colonial português. Enquanto o sequestro do paquete Santa Maria, cerca de um mês antes, por um comando liderado pelo capitão Henrique Galvão, procurava denunciar ao mundo a natureza ditatorial do chamado Estado Novo. Demoraria ainda treze anos a morrer de podre tal regime que fundia, no seu imaginário mitológico, a aldeia (o terrunho idealizado) e o expansionismo imperial (o génio português em errância pelo mundo), tal como fora cenograficamente celebrizado na Exposição do Mundo Português em 1940. O ano de 1961 seria, pois, o da anunciação simbólica do ciclo final desta versão portuguesa do “fascismo”.
 O ditador Salazar, cego, como não podia deixar de ser, ante os sinais premonitórios do fim, puniria exemplarmente os responsáveis pela rendição das forças militares portuguesas na Índia, pois, na óptica do ditador, a  sua quase nula resistência à invasão teria o odor de traição. Quatro mil e quinhentos homens mal armados deveriam pois heroicamente confrontar-se até à morte com os quarenta e cinco mil militares indianos superiormente armados. Salazar precisava, como pão para a boca, desse sangue redentório para promover aos olhos do mundo a imagem mítica duma pátria ferida pelo belicismo indiano. Sequentemente, o último governador do território, o general Vassalo e Silva, passaria, num trocadilho demolidor, a ser designado, nos corredores oficiais da caricatura, como “Vacila e Salva-se”. E apenas viria a ser reabilitado e reintegrado no aparelho militar após a Revolução de 1974. São estas as histórias do canto do cisne do último Império colonial do Ocidente; de traidores porque não souberam ser heróis, de cobardes rendidos porque não souberam ser redentores. Por isso, mesmo os militares sem responsabilidades de comando, ao regressarem à metrópole, seriam recebidos pelo poder, após 5 meses de aprisionamento pelos indianos, com hostilidade. Dos fracos e "traidores" não rezaria a história do fascizante Estado Novo.
Quanto à África, o “orgulhosamente sós” de Salazar, ante uma comunidade internacional ingrata e incapaz de compreender a gesta da ocidental nação lusitana, tornar-se-ia voz de comando de uma acção colectiva punitiva contra os “turras” (“Para Angola, rapidamente e em força”) em defesa das “nossas províncias ultramarinas”, tal como eram designadas pelo discurso oficial, sendo abolida do vocabulário, porque subversiva, a palavra “colónias”. A expressão “guerra colonial”, que efectivamente duraria 13 anos, seria então uma sigla clandestina usada apenas pelos “traidores” à pátria. Veio então o tempo doloroso da partida, em Lisboa, dos navios soturnos com os soldados a acenarem milhares de lenços brancos, como pombas da paz que não teriam, para familiares e amigos, nos cais do nosso crepuscular destino imperial. Embora muitos jovens se recusassem a tal cruzada, partindo também mas clandestinamente na vaga de um milhão e meio de portugueses que procuraram, numa nova fase da nossa tradicional diáspora, entre 1960 e 1974, além-Pirenéus uma vida mais digna. Sacrificaram-se assim em vão gerações de portugueses e africanos por causa de uma visão da História anacrónica, cruel e fantasmática. Mas se dantes emigravam contra a vontade do poder, agora é o poder paradoxalmente que apela aos jovens para emigrarem, nas vozes plastificadas do nosso Primeiro e de um dito Secretário para a Juventude. Será fado português não ter casa para os seus filhos? O outro mandava-os para a guerra, este para a labuta na estranja ou, numa versão mais temperada, nos países lusófonos. Será destino colectivo ou serão jogos do acaso?
  Ainda hoje, embora recalcadas, as feridas dessa absurda guerra e da chamada descolonização, após o 25 de Abril, não estão completamente saradas. Também o modo de avaliação do longo ciclo colonial português de 5 séculos não é consensual, ainda que esse confronto ideológico não se assuma pelo diálogo aberto e visível, no espaço público, mas se sustente de não-ditos entre os nostálgicos do Império e os que tentaram desocultar as suas mitologias, reactivadas na segunda metade do século XX, quer em torno de um luso-tropicalismo exemplar  (Gilberto Freyre) ou da atitude de tolerância, específica do nosso colonialismo (Jorge Dias), quer, com diversas variantes, do afamado  padrão cultural da nossa miscigenação com outros povos (reveladora de “uma certa liberdade em relação às fronteiras culturais, uma certa promiscuidade entre o Eu e o Outro, uma certa falta de preconceitos culturais, a ausência do sentimento de superioridade que caracteriza, de modo geral, os povos de cultura ocidental”, como referiu António José Saraiva). Mas tudo isto pode ser interpretado de outra maneira: “No caso de Portugal, a função de intermediação assentou durante cinco séculos no império colonial. Portugal era o centro em relação às suas colónias e a periferia em relação à Inglaterra. Em sentido menos técnico, pode dizer-se que, durante muito tempo foi um país simultaneamente colonizador e colonizado. Em 25 de Abril de 1974, Portugal era o país menos desenvolvido da Europa e, ao mesmo tempo, o detentor único do maior e mais duradouro império cultural europeu” (Boaventura de Sousa Santos). Ou seja, a singular mestiçagem cultural da nossa colonização dever-se-ia então não a uma qualquer idiossincrasia "genética", mas à nossa fragilidade económico-política, militar e demográfica, enquanto potência colonial no quadro da relação de poderes no mundo ocidental. Aliás, sendo um dos factos referidos por António José Saraiva, para sustentar a tese da nossa original miscigenação cultural, a carta de Afonso de Albuquerque (1460-1515), vice-rei da Índia, ao rei de Portugal, “propondo o casamento entre portugueses e indianas como forma de povoar o território”, numa estratégica tentativa de criar uma “raça luso-indiana”, um modo de obviar à nossa escassez demográfica na metrópole (à volta de dois milhões, número curto para tanta expansão); tal capacidade de tolerância na aceitação do outro seria mais tarde totalmente desmentida com a criação do inquisitorial Tribunal do Santo-Ofício de Goa, em 2 de Março de 1560, prática persecutória orientada tanto contra o criptojudaísmo, o cripto-islamismo ou as heresias protestantes, como sobretudo contra o hinduísmo. Note-se, de resto, que Goa foi o único espaço colonial português que teve o “privilégio” de receber tal instrumento de intolerância, o que se prolongaria até 1812. Entre os aculturados indianos, sobretudo afectando as elites, aos valores do catolicismo luso e os outros, há ainda muitas histórias por contar. De violentações, mas também de negociações e cumplicidades.
Não tivemos obviamente o monopólio da intolerância ou da violência no que concerne à odisseia colonial, mas convém não limpar o sangue que nos escorreu das mãos em nome da cruz, de uns míticos brandos costumes ou de uma congénita abertura para o outro, segundo a qual o “mulato” seria uma quase invenção lusa. Claro que não podemos avaliar os eventos históricos descontextualizados dos sistemas de valores dominantes em cada época, mas, neste mundo turbulento e contraditório em que vivemos, olhar crítica e criativamente para a nossa História, o que pressupõe diálogo e não monólogo, pode ajudar-nos a entender o momento de encruzilhada em que nos encontramos, desta feita no quadro do nosso ciclo “europeísta”, onde continuamos tão periféricos como no início (1986) ou na fase do ciclo imperial. Não estaremos, aliás, de novo, numa fase de crise profunda da nossa identidade colectiva?  
Quanto à nossa capacidade de aceitar o outro, conviria, por outro lado, como exercício, fazer o balanço de 30 anos de recepção dos imigrantes sobretudo africanos (situação sociologicamente nova em Portugal), pois talvez encontremos aí algumas respostas pertinentes para o entendimento hodierno das nossas relações culturais com comunidades coexistentes no nosso espaço físico, demasiado “ghetizadas” por ausência de diálogo e vontade de plena integração do outro.
Como remate para estas digressões um pouco caóticas, vêm mesmo a calhar estas palavras do “Fado Tropical” (1971-72) de Chico Buarque da Holanda: “Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora…”.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Somos todos culpados...


Ensor - A Entrada de Cristo em Bruxelas em 1889 (1889-90)

  "Portugal não caiu nesta crise por culpa dos mercados malvados, das agências de rating implacáveis, de políticos corruptos; de banqueiros irresponsáveis, de empresários medíocres e de sindicatos anquilosados. Portugal caiu nesta crise por culpa de todos, sem excepção."

Editorial (António Ribeiro Ferreira e Ana Sá Lopes) do jornal i, , 15-12-2011


Pela minha parte aí vai o mea culpa pelo milionésimo grão de responsabilidade que me cabe em sorte! Antes de mais culpados pela ousadia de existir neste terrunho implantado no extremo ocidental da Europa, pelos rituais de queixumes e lamentações que libertamos quando nos aproximamos do abismo, algo que já experienciámos noutras ocasiões de crise ao longo da nossa já longa História. Culpados pelo medo de agir, de questionar os sagrados poderes que nos foram retirando a energia de ser alguma coisa, por humilde que seja. Culpados por imitarmos toscamente os modelos de vida que mediaticamente nos chegavam dos eldorados do consumo. Culpados porque herdámos essa difusa infracção dos nossos primeiros ascendentes, a de terem comido o fruto proíbido. Culpados por aceitarmos como um fado a irresponsabilidade das elites políticas que nos governaram nas duas últimas décadas. Culpados por termos uma justiça que pune os criminosos de baixa estirpe social e deixa à boa vida os colarinhos brancos mesmo que sujos de sangue. Culpados porque nos deixámos lograr por banqueiros (os de cá e os da estranja) e suas clientelas sem escrúpulos. Culpados pela democratização dos odores da corrupção. Culpados por termos desejado um Estado Social, pelos vistos a destempo. Culpados por de barriga ilusoriamente farta nos termos sujeito á sagrada usura dos mercados. Culpados pelo vazio de ideais e projectos colectivos, pela destruição do aparellho produtivo. Culpados pela iliteracia de muitos dos nossos empresários. Culpados pelos soberbos e céleres ferraris nas ruas de desempregados e sem-abrigo.Culpados também pela crise sistémica (?) do capitalismo. Depois desta catarse confessional, talvez já não me condenem a alma às labaredas do Inferno!

Sr. António e Sr.ª Ana, a vossa retórica de comover os espíritos mais empedernidos é de facto a melhor terapêutica para apagar a responsabilidade maior de quem nos conduziu a tal desenlace. Quando dizem "Portugal caiu nesta crise por culpa de todos, sem excepção", esta asserção totalitária significa que realmente a culpa democratizou-se e assim nos liberta das justas acusações aos eleitos por tal descalabro. Ou será que acreditam ser possível levar à barra de tribunal cerca de 10 milhões de meliantes? Melhor seria (será?) talvez condenar ao desterro os espoliados de sempre. Mas, senhores, porque vos coube a vós ser a incarnação do superego colectivo? Pela minha parte submissamente me ajoelho ante a vossa voz acusatória e divinal. Lá nos encontraremos um dia no purgatório!



Ensor - A Morte e as Máscaras (1897)



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Paisagem, o Provincianismo e a Barragem do Tua



“E os socalcos do Douro construíram-se para guardar a terra criada pelos homens, e na terra que os homens criaram e conservam, arrecada-se a vida de infinitas gerações.”
Alves Redol

Um povo que não se reconheça no espírito da sua paisagem tem um complexo défice identitário. Vítimas nas últimas décadas do esforço “progressista” dos nossos líderes em prol do betão e do cimento, não há lugar que resista, mesmo os de beleza singular, a esta vocação destrutiva. Mas o mais paradoxal é que este épico labor, em nome do “progresso”, nos conduziu ao fracassado estado económico-social em que nos encontramos, ainda por cima penalizados pelos custos paisagísticos e ambientais de tais projectos marcadamente provincianos (categoria mental associada a um falso cosmopolitismo). Ou seja, de Cavaco a Sócrates, foi um fartar vilanagem de auto-estradas, algumas sem utentes à vista, a retalhar a paisagem, sem atender às necessidades das já escassas populações do interior massaradas por rodovias que, em muitos casos, serviram fundamentalmente e de modo redundante os grandes pólos urbanos de Lisboa e do Porto, acentuando a dissimetria entre o litoral e o interior (“A orientação actual das auto-estradas e das principais vias de comunicação, polarizada pelas maiores cidades, e sobretudo por Lisboa, só vem agravar as dificuldades de estruturação à escala da província. Para quem tenha de utilizar os transportes públicos e não possa percorrer as vias transversais de automóvel, é geralmente mais difícil comunicar entre regiões relativamente próximas do que chegar a Lisboa”, José Mattoso, Suzanne Daveau, Duarte Belo, Portugal – O Sabor da Terra, 2010, p. 339).
 Entretanto foi-se deixando degradar a via ferroviária, encerrando-se linhas consideradas deficitárias, mas principal modo de circulação das gentes do interior e não só. Tudo isto revela a ausência de um plano consistente no que concerne às redes de comunicação à escala nacional, tanto a nível económico-social como ambiental, mesmo ao olhar de um leigo como eu nestas matérias. Concomitantemente proliferaram barragens onde corrente de água houvesse, para não falar no excessivo peso da construção civil na nossa actividade económica (nos anos doirados, ocupava 10º da população activa e 18% do PIB, sendo o consumo de cimento per capita o dobro da média europeia), actualmente em profunda crise, por falta de compradores (há 10% de casas a mais) e de crédito. Mas esta fúria construtora teria efeitos devastadores, pois contribuiu para a desertificação do centro das cidades e perda de moradores, como aconteceu com Lisboa, nas últimas décadas, e para um consequente crescimento, desmedido e caótico, dos subúrbios, sem qualquer qualidade de vida, tal o caso do concelho de Sintra. Para não falar nos gastos opulentos da Expo 98 ou dos estádios de futebol do Euro 2004, com alguns (Leiria e Algarve) com bancadas de betão ao desgaste do tempo e da impossível gestão. Também os nossos autarcas não quiseram ficar atrás e ei-los de rotunda em rotunda até à vitória final. O cimento tornara-se definitivamente o nosso Eldorado.
Os governantes não estiveram longe da mentalidade dos nossos emigrantes que construíram “maisons”, como manifestação de um capital simbólico emergente, pelas aldeias deste país, desfigurando-as, para anos depois, deixarem os inóspitos e incómodos (para os moradores e para os olhos dos que passam) casarões ao abandono, ora inacabados ora em ruína, pois os descendentes acabariam por se integrar nos países de emigração e não regressar à pátria. Mas obviamente àqueles, enquanto elementos de uma elite política, pedir-se-ão outras responsabilidades. Duas décadas e meia após a nossa integração na CEE (a actual União Europeia), continuamos tão desfasados economicamente dos países ricos da Europa como no início, apesar dos fundos estruturais e de coesão que recebemos tão euforicamente como D. João V recebera, no século XVIII, o ouro do Brasil. Com a agravante de estarmos hoje completamente falidos, sujeitos à gula desmedida dos credores internacionais, e só formalmente ainda independentes. Destruímos o aparelho produtivo em função dos interesses dos nossos “benfeitores” e a árvore das patacas como se veio a provar tinha curta duração e muitas e ardilosas contrapartidas. O modelo de “desenvolvimento” das últimas duas décadas foi, pois, um profundo fracasso. E, embora com significativos avanços, mesmo os nossos níveis de escolaridade estão ainda bem distantes da média europeia. Enfim! Se à partida éramos periféricos ou semi-periféricos em relação às sociedades mais desenvolvidas da Europa, neste canto do cisne da União Europeia, periféricos continuamos, e com índices de desigualdade social que nos colocam como um dos países da Europa onde o fosso entre ricos e pobres é alarmante.


Vem todo este arrazoado a propósito da polémica construção da barragem na Foz do Tua, na Região do Alto Douro Vinhateiro, promovida pela UNESCO, há dez anos, a Património da Humanidade (Paisagem Cultural, Evolutiva e Viva), da responsabilidade da monopolista EDP, e abençoada pela gestão do “betoneiro” engenheiro Sócrates. As suas palavras, no acto de inauguração da construção da dita barragem, em mais uma nefasta parceria público-privada, dirigidas ao poderoso tecnocrata Mexia, olhando com um desdém patético e alarve para aquela paisagem virgem e sacral, “Agora só falta aqui é…cimento!”, são bem uma caricatura da mentalidade provinciana que nos desgovernou nas últimas décadas. Paisagem sem cimento é como um deserto, diriam eles. Mas deserta era a alma do nosso ex-primeiro e do seu séquito, como a de outros que o antecederam.
Desta feita, porém, a UNESCO ameaça retirar o estatuto de Património da Humanidade àquela região de singular beleza. As hostes como bonecreiros agitam-se: a EDP diz que vai atenuar os estragos na paisagem, convidando para compor o cenário o reconhecido arquitecto Souto Moura; a super-ministra Cristas diz que o país não tem cheta para indemnizar a concessionária, caso suspendesse o projecto; os autarcas da zona, que sempre associaram ilusoriamente a instalação de barragens a mais progresso para os seus domínios, titubeiam. Entretanto foram arrasados milhares de sobreiros e azinheiras, um paredão de 100 metros de altura foi erguido, para memória futura dos dislates governamentais, e o vale do Tua e a sua linha férrea serão submersos com as águas da barragem. Mas afinal qual é o contributo desta barragem para a nossa produção energética? Segundo as expectativas de apenas 0,67%.
 Ora, segundo os responsáveis do turismo do Alto Douro, de Janeiro a Agosto do corrente ano, 110.000 turistas visitaram a região, pelo que a retirada de tal galardão pela UNESCO seria um rude golpe para a economia daquela zona. Por outro lado, em qualquer país que se preze uma linha férrea como a do Tua, um desfilar de imagens soberbas e únicas, seria reabilitada e promovida no plano de uma desejável gestão turística, para lá obviamente de ser um importante meio de transporte para as populações locais. Só um economicismo de vistas curtas, como é aquele que nos tem dominado, não sabe articular a preservação da paisagem e o bem-estar das populações locais com os interesses económicos. É preciso acentuar que o turismo português não se pode limitar ao mediático bronze algarvio. Portugal, na sua diversidade geográfica, apesar dos muitos disparates ambientais, ainda tem alguns rostos de paisagem com uma identidade peculiar a colocar ao olhar do mundo. Economia e gestão ambiental não são necessariamente antagónicas e, além disso, se não preservarmos o génio dos nossos lugares idiossincráticos perderemos de todo a nossa identidade. E, para isso, seria também necessário dinamizar uma consciencialização cultural das populações, de molde a defenderem a singularidade única desses espaços de eleição que lhes coube em sorte, e não a rumarem nas ilusões do falso progresso.
 É preciso reinventar Portugal, articulando tradição e modernidade, respeito pela alma da paisagem e desenvolvimento, criatividade e planificação. E salvar a foz do Tua, pois como afirmou José Pacheco Pereira, “combater a barragem que destruirá o vale do Tua transformou-se numa luta de último recurso, uma última oportunidade para termos outra paisagem que não seja eucaliptal, albufeiras artificiais, praias sobrelotadas, montanhas esventradas por pedreiras, na maioria dos casos ilegais, mas a trabalhar diante dos olhos de todos há décadas, num Portugal já demasiado estragado” (Público, 10-12-2011, p.40). De qualquer modo, saliente-se o facto de ser necessária a voz censória da UNESCO, para que a reacção de alguma opinião pública portuguesa se faça ouvir, com excepção dos militantes ambientalistas que desde logo nos alertaram para mais um crime contra o Património. Resta saber se ainda vamos a tempo de preservar esta paisagem que nos ilumina os olhos da alma: ”O que temos no vale do Tua, o rio, o vale, a linha ferroviária, o equilíbrio da terra, da água, das escarpas, da vegetação, do vento, da solidão agreste, é hoje único em Portugal. Ou seja, não há mais. […] Estamos diligentemente a acabar com outro destes vales, o do Sabor, pelo que sobra apenas o Tua” (J. P. Pereira, ibidem). Ou será que o poeta Byron tinha razão quando nos remeteu para os limbos do miserabilismo, ao exaltar em contraponto a beleza edénica de Sintra: “Escravos torpes e vis, bem que nascidos nas pompas da criação! – Porque desbarataste, ó natureza, as tuas maravilhas com semelhante gente? Eis que em vário labirinto de montes e vales surge o glorioso Éden de Sintra”(Peregrinação de Childe Harold, 1812).
Urge reaprender a apreciar a beleza do silêncio ou dos murmúrios da terra e da água, ou a sentir com plenitude os odores das plantas silvestres, com a humildade de efémeros hóspedes deste mundo mágico, que temos o dever ético e estético de preservar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Servidões e Contemplações


Turner - O Naufrágio (1805)
Sem rota, rotos de servidão, resta-nos o sonho das palavras interditas pelas Agências do Juízo Final. Respigadores dos desejos submersos nas lixeiras a que nos condenaram as vozes do sacral Mercado, respiramos o ar fétido da corrupção do mundo. Mas cá dentro os lacaios de serviço dizem que temos de cumprir as ordens dos senhores, sem o mínimo desvio, sem a mínima hesitação. Ordens são ordens e os credores, esses anjos da morte, não perdoam, mesmo que para isso tenhamos de deixar as ossadas ao sabor dos ventos do deserto. Ou então navegar na nau dos loucos em espirais de medo, como se procurássemos o Velo de Oiro no sorvedoiro do abismo.
Claro que nesta desordem globalizada há eleitos e culpados. Aqueles moram nos paraísos fiscais, estes nos pardieiros da expiação. As lágrimas da Ministra do Trabalho italiano derramaram-se dos ecrãs, como o paradigma do sacrifício redentório para os povos europeus que comeram ambrósia em excesso. Lágrimas de carrasco, encenadas ou verdadeiras, ritualizam pateticamente esta trágico-cómica cena europeia. E se a moda pega, aí teremos os nossos Passos, Gaspares, Relvas, Cristas e restante companhia, em frenéticos choros, numa inundação de lágrimas a destruir bens e pessoas, ante um malfadado povo, exigindo-lhe o esqueleto para pagar juros chorudos pelo generoso empréstimo da usurária troika. Ainda se as lágrimas, rosas imaginadas pelo poder, se transformassem em pão, como no célebre milagre das rosas da nossa Rainha Santa Isabel, sugerem os muitos milhares de desempregados! Pura ilusão! Embora tenhamos regressado ao tempo dos três Fs (Fátima, Fado e Futebol), a capacidade miraculosa dos nossos governantes não chega a tanto.

Schiele - Friederike Maria Beer (1914)
Entretanto o nosso Sócrates, no seu académico retiro parisiense, sorri cinicamente ante o espectáculo grotesco de Portugal e da Europa. Dizem mesmo que terá aderido à escola filosófica dos “Cínicos” (século IV, a.C.), fundada por Antístenes, discípulo e amigo de Sócrates (serão meras coincidências?) e continuada por Diógenes (o tal que, segundo a lenda, vivia asceticamente num tonel), para a qual a base da felicidade estaria no desdém pelas normas sociais, na renúncia à riqueza, à glória e a todas as satisfações dos sentidos. Seguindo à letra a herança dos seus líderes espirituais, o nosso ex-Primeiro passou então a viver como um sem-abrigo nos pórticos dos templos de Paris. E, segundo fontes razoavelmente credíveis, ter-se-á mesmo misturado com os “indignados” parisienses, reivindicando, num ecologismo radical, o regresso à natureza. E, embora desconfiemos (gato escaldado, da água fria tem medo) da sinceridade socrática nesta caminhada de redenção naturista, que nos resta senão, na tradição dos contempladores da paisagem, já que não a podemos comer, prendê-la para sempre no nosso olhar? Talvez seja a revolução final do ser contra a ditadura do ter.
Ah! É verdade não se esqueçam entretanto de pagar os 5 mil milhões de euros desviados do BPN! Esta voz é obviamente a do nosso autista Ministro das Finanças.  Alguém (os impostos do povo, enquanto houver) tem de pagar os botões de ouro dos meliantes. E, além disso, para a almofada do nosso sossego, segundo rezam as notícias, desde que tomou posse este governo tem engordado o Estado com três nomeações por dia. Bem prega Frei Tomás, façamos o que ele diz e não o que ele faz! Uns poucos sempre a engordar, outros (a maioria) condenados ao emagrecimento pelo pecado de terem nascido. Mas que querem, este mundo foi feito para os eleitos!



Bosch, A Nave dos Loucos, 1490-1500





quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A greve geral e o fatalismo luso






Paul-Louis Delance, A greve em Saint-Ouen, 1908




Hoje é dia de greve geral. O adjectivo, embora enquadrável numa mitologia política revolucionária que vem desde finais do século XIX, justifica-se como manifestação de protesto contra a imperativa vontade do actual poder político, servidor abnegado da troika que nos coube em sorte, de nos impor uma frugal austeridade, socialmente injusta porque desigual, e não sufragada. Talvez metade da população apoie, talvez a outra metade esteja contra. Estes dizem que a greve, ainda por cima geral, só vem agravar a nossa situação económico-financeira; os outros acreditam que é uma resposta colectiva aos desmandos das forças financeiras e políticas que, ao cheiro da carne anoitecida, nos vão devorando. A greve geral, com perversos serviços mínimos nos transportes, nada irá mudar a não ser que a consideremos um anúncio de um crescente movimento colectivo que irá bloquear a hegemónica força que nos domina e asfixia. Entretanto vai-se a carne e resta-nos a alma da revolta. A Grécia está aqui tão perto. Sem uma nova ordem internacional, política e económico-financeira, nada feito. O problema tem uma escala global, e assim tem de ser solucionado. Além disso esta Europa está a afundar-se. Os sinais vêm da Alemanha: “O Tesouro Alemão não conseguiu colocar 35% de um empréstimo obrigacionista a dez anos, ampliando os receios de que os países da zona euro fiquem paralisados por falta de financiamento. Os economistas falam de um ponto de viragem na crise” (jornal i, 24-11-2011). Quanto a Portugal, é uma miragem o regresso ao mercado de capitais em 2013. Talvez numa súbita reviravolta a Srª Merkel venha a aceitar os salvíficos eurobonds, dirão os mais crédulos. Mas a tempestade acentua-se e a barca da líder germânica mete água por todos os lados. Os ratos já saltam apavorados, e a nau Europa em desgoverno vai em direcção ao abismo. Tens andado a ler muitos textos apocalípticos, confundes-te, modera-te um pouco! Dirá um leitor carregado de sensatez.
O povo é quem ordena! Pois é. Por isso de votação em votação, os países europeus elegem puros e duros governos de direita salteados de extrema e nos interregnos eleitorais despontam os de transição com vestimentas tecnocráticas, com a política escondida no bolso traseiro, neutrais e objectivos regentes de nações como se fossem empresas. E não são? Sem alma, desalmadas, as comunidades imaginadas de outrora tornaram-se espaços vazios apenas habitadas pelo deve e haver. Claro que há sempre uns que devem mais do que outros: os espoliados do costume. Os voos das aves de rapina, na sua altivez soberana, salvaguardam-nos sempre das crises e até aguçam o seu apetite infindo nestas paisagens de carnagem.
Mas voltemos, mantendo as metáforas de aviário, ao saudoso ninho pátrio. Temos os partidos da área do poder (PSD, PS e CDS) e os reivindicativos (PCP e BE), os contestatários habituais da vaga neo-liberal, na versão lusa, que nos vem governando há décadas. Embora em jeito de utopia, não seria possível refundar a esquerda, passando obviamente pelo que dela resta no PS? E digo esquerda não porque seja canhoto, mas porque é nesse espaço político que se pode ainda imaginar mundos alternativos. Há aliás quem sinalize no mundo a eventual “emergência e proliferação do fascismo social” (Boaventura de Sousa Santos, Portugal-Ensaio contra a Autoflagelação, p.119). O conceito é polémico mas indutor de reflexão e preocupação. Contra o fatalismo tão arreigado no nosso imaginário colectivo, é urgente agir, em nome de uma democracia de cidadãos, contra aqueles que pervertem o sentido e o sentir de tal modelo político. Por isso, sem grandes ilusões, estou com a mítica greve geral, pois os sonhos também habitam o pensamento e a acção. De outro modo, estaremos em vias de nos tornarmos meros “cadáveres ambulantes” ao sabor dos invisíveis mandantes deste mundo.


Jules Adler, A greve em Creusot,1899

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Pecado da Gula, a Expiação e a Redenção

 
Pieter Bruegel, O Velho (c. 1525-1569), "O País da Abundância", 1567



 Depois de 48 anos de rigoroso ascetismo ditatorial, o povo português, com o 25 de Abril de 1974, libertou-se de tal “dieta”, e lá foi reivindicando o direito a satisfazer a fome dos seus desejos. Houve depois o PREC e com ele modos diversos ou antagónicos de entender o conteúdo e os rumos da jovem democracia. Houve confrontos, um pouco de sangue a escorrer nas ruas, e finalmente a “pacificação” do 25 de Novembro. No entanto, o percurso posterior estaria muito aquém dos sonhos acalentados durante a árdua travessia de meio século de “dias cinzentos”. Pelo menos para muitos portugueses. O estado caótico em que nos encontramos hoje, aqui e no Ocidente, parece dar alguma razão aos que idealizaram outras vias para a nossa democracia. A História não é um fatalismo, mas, em cada momento, a escolha, embora condicionada por múltiplos factores político-económicos e socioculturais, de mundos possíveis alternativos. A não ser que entendamos a crise actual, não enquanto mero fenómeno conjuntural, mas como um sinal da definitiva decadência do Ocidente. Mas não choremos pelo leite derramado. Continuemos então com a breve leitura da nossa história recente, na visão de um viúvo de ilusões.
A democracia portuguesa caminharia então, depois de alguns sobressaltos, na década de oitenta, para uma plena integração na Comunidade Económica Europeia. A euforia um tanto provinciana era tal que nos faria dizer paradoxalmente “Finalmente estamos na Europa!”, onde sempre estivemos, ainda que de um modo singular, ao sabor das conjunturas, tanto cultural como economicamente, ou, na versão mítica de Fernando Pessoa, como “o rosto” da Europa: “Fita, com olhar esfíngico e fatal, / O Ocidente, futuro do passado. // O rosto com que fita é Portugal.”
Um novo-riquismo deslumbrado com as remessas doiradas da Europa rica começou então a dominar as elites políticas e propagou-se à “plebe”, com desprezo para actividades como a agricultura, as pescas, a marinha mercante, a indústria têxtil ou a do calçado. Muitos subsídios no sector primário vinham intencionalmente para pagar a nossa improdutividade. Assim consumíamos os excedentes alimentares da Europa rica. Convertemo-nos  então em delirantes consumistas de betão, de automóveis, de telemóveis, e de ilusões promovidas pelas novas Catedrais do Consumo. Uma camada de parasitas foi crescendo a sugar as delícias do Estado adiposo ou dos Fundos Sociais Europeus, numa promíscua relação entre o sector público e o privado. O Estado foi coutada para os partidos do poder (PS e PSD) que aí achavam poiso para os seus apaniguados, para mais tarde os seus líderes virem com a cantilena elegíaca do Estado anafado, omitindo que se inventaram lugares, ao longo dos anos, para as suas clientelas. A Europa rica aplaudia tal consumismo, pois permitia-lhe ter mais um espaço, embora restrito, para escoar os seus produtos. O desequilíbrio entre o que produzíamos e o que importávamos foi crescendo desmesuradamente. O Estado endividava-se e as famílias também, engodadas pela facilidade do crédito e empurradas para a compra de casa própria, a pagar como tributo da posse até aos últimos tempos das suas vidas. De servos da gleba passámos a servos do consumo. O desemprego disparou.
Bruegel - Dulle Griet (1562)

Até que um dia a bolha das ilusões rebentou (2008). Aí veio a inesperada crise internacional. Os bancos americanos e europeus vendiam gato por lebre. Muitos bancos na Europa e nos EUA foram então intervencionados pelos Estados, com o dinheiro dos contribuintes. Em Portugal, o BPN e o BPP, verdadeiros casos de polícia, colocaram-nos na onda. O tempo era afável para os especuladores financeiros, não para o crescimento económico. Algumas das chamadas potências emergentes subiram até ao patamar superior, tal o caso da China que, com argúcia e custos de produção ínfimos, graças a uma mão-de-obra submissa, se tornava hegemónica em muitas áreas industriais. O capitalismo financeiro tornou-se o poder supremo, sobrepondo-se ao poder político legitimado “democraticamente”. A União Europeia mais formal do que real entrou em declive entrópico, e os governantes dos países ricos acenaram em desespero de causa aos países pobres com a bandeira negra da austeridade. Estavam fartos de alimentar a ociosidade dos países do sul, diriam velada e cinicamente. Primeiro a Grécia, depois a Irlanda que, não sendo do Sul, também tinha alguns vícios sobretudo bancários impróprios para a sua grandeza, e Portugal, perfilando-se no horizonte imediato a Espanha e a Itália. Até ver!
Mas nem tudo foi negro nestes 37 anos de democracia. A criação de um sistema de Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, ainda que com muitas carências, agravadas com as medidas de austeridade em curso; a institucionalização dos direitos dos trabalhadores, porém cada vez mais ameaçados pela cegueira dum “neo-liberalismo” que vê no trabalho precário e na eliminação dos elementares direitos de quem trabalha, não doados mas conquistados ao longo de décadas pelas forças laborais, a panaceia para o desemprego; a democratização tendencial do ensino, embora com lastros óbvios de ineficácia, pois aos tradicionais analfabetos sucederam, muitas vezes, formandos com níveis alarmantes de iliteracia; a consagração da liberdade de expressão, com efeitos na dinâmica de uma prolífera actividade cultural, embora o medo de falar (de dialogar) ainda persista em determinadas faixas populacionais, são alguns dos factos a relevar.
Entretanto, como alguém bem-humorado disse, após os indícios funéreos de “bancarrota”, passámos do longínquo Processo Revolucionário em Curso (1974-1975) para o Processo de Empobrecimento em Curso (O PREC 2). Mas nesta ebulição imposta pelas “ditaduras” das troikas deste mundo ocidental, com o apoio dos seus serventuários locais, aí temos o nosso governo mais papista que o papa, onde se realça a figura autista do monetarista Ministro das Finanças, a acenar ao povo com intensos sacrifícios a curto, a médio e a longo prazo. Claro que esta gestão sacrificial não é equitativa, serão os mesmos de sempre a ir à degola. Depois há ainda os paraísos fiscais, para quem sabe e pode. Todavia, como frisou o insuspeito Pacheco Pereira (“Quadratura do Círculo” na SIC, 10-11-2011), que horizontes de expectativa pode ter uma população a quem o próprio governo afirma não poder garantir que o seu trajecto sacrificial venha a ter um fim feliz? Sabendo nós que a receita para a falência é a mesma que a praticada na Grécia, daqui a dois anos estaremos mais pobres e com uma recessão de 3%. Sem crescimento, como iremos então pagar os juros leoninos da dívida dita soberana, se esta União Europeia, hegemonicamente orientada pela suprema vontade da Sr.ª Merkel, nos tirar o tapete e a almofada ou se afundar? Não há folga que resista!
  Entretanto, vamos privatizar as últimas “jóias da coroa”, para júbilo ideológico dos nossos “neo-liberais”, mesmo em sectores estratégicos para a nação, sabendo-se contudo que, neste contexto, os preços serão de saldo. E, além disso, há privatizações que nada têm ver com o acordo com a Troika. São meras opções políticas governamentais, tal o caso da RTP, embora esta bem precisasse de uma profunda reestruturação a fim de cumprir plenamente a sua função de serviço público democrático, nos planos informativo e lúdico. Conforme, por outro lado, salientou Pacheco Pereira (idem), o modelo escolhido para a privatização da EDP é desde logo um mau indício de tal processo em fase inicial, pois as regras, a selecção dos candidatos e a decisão final são feitas no segredo dos deuses, ou seja, ao sabor da vontade dos governantes sem qualquer controle dos cidadãos. É bizarro que tal aviso venha de um insigne político “social-democrata”, depois não se admirem se alguém vier a cheirar eventuais fumos de corrupção, e mais uma vez, nestes enredados negócios de milhões, nos depararmos com a habitual impotência da Justiça chegar à verdade, sobretudo quando toca a esfera dos poderes políticos ou financeiros. “Portugal país de pobres, mas com vícios de ricos” é uma máxima antiga que o nosso Primeiro bem interiorizou para legitimação do castigo. Vamos então eliminar tais vícios: acabou o açúcar, chegou a hora do chicote. Venda-se a carne, fiquem os ossos. Mas, como diria com sageza Mário Soares, em contraponto, não se esqueçam que os empréstimos não são uma dádiva dos credores, pois muitos irão enriquecer com tais juros.
Este texto caótico, como a nossa situação, é, ou pretende ser, mero acto de cidadania, já que de economia e finanças, tal como o Jesus Cristo de Fernando Pessoa, nada entendemos. Mas temos de confessar que é já um enfado ou um fado ouvir, na rádio ou na televisão, os nossos “especialistas” (quase sempre os mesmos avençados) nas matérias acima referidas, com as suas asserções requentadas, a pouco acrescentarem para lá das bíblias económico-financeiras da moda, embora alguns comecem já a tartamudear. Corpo afeito às carências materiais, resta-nos o espírito da tradicional arte de navegar. A não ser que o empobrecimento nos torne também pobres de espírito…Para sempre!
Ao pecado da gula colectiva (a queda) segue-se assim a longa expiação; quanto à redenção fica suspensa nos horizontes esfumados do futuro, sujeita aos rumos dos estranhos desígnios dos deuses do mercado e dos seus fiéis servidores.


Bruegel - Os Mendigos (1568)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Do Reino da Estupidez ao Reino do Vazio


Jean-François Millet - Les Glaneuses (1857)

 “Portugal só conseguirá sair da actual crise empobrecendo”, disse sagazmente o nosso Primeiro-Ministro Passos Coelho há cerca de duas semanas. E o nosso Secretário de Estado para a Juventude, do qual não me lembro o nome, tendo como destinatário os desempregados jovens, afirmaria, uma semana depois, ainda mais sagazmente, que a solução estaria na emigração: “Os jovens desempregados saiam da sua zona de conforto [isto é, o desemprego confortável] e tentem uma vida melhor no estrangeiro”. Reentrámos no Reino da Estupidez ou do Absurdo?
Quanto à primeira frase, liberta-se dela um odor antigo do tempo dos “pobretes” mas “alegretes”. Ou será, na ambiguidade da mensagem, empobrecer os ricos já que empobrecer os pobres, além de pleonasmo de mau gosto, não tem qualquer sentido? A crise, essa hidra malfadada, aí está para legitimar a fome; o desemprego; a corrupção; o fosso cada vez maior entre ricos e pobres; uma “Justiça” que não funciona, a não ser para os abastados e famosos que são os únicos a poder pagar os admiráveis advogados, sábios no modo como conhecem de apelo em apelo maneira de os processos ou as penas prescreverem; as remunerações chorudas e intocáveis dos gestores das empresas públicas na falência ou a incapacidade de reformar o aparelho de Estado, colocando-o de facto ao serviço dos cidadãos. Mas para nosso consolo aí temos complementarmente a mensagem salvífica do dito Secretário: rumem em direcção ao estrangeiro, a pátria é mais uma vez não a mátria mas a madrasta. Os portugueses jovens e menos jovens sabem, no entanto, pela voz da memória colectiva, a tradição da diáspora lusa ao longo dos séculos, como terapêutica do colectivo mal-estar, por isso não necessitavam de tão sábio conselho do tal Secretário da Juventude
Pollaiolo - Hércules e a Hidra (1460)
Então jovens e menos jovens do nosso país preparem a sacola, com os parcos haveres, e ala para a estranja que se faz tarde, que a crise não se come. Para os mais carenciados, há viagens económicas na “jangada de pedra” do Saramago, embora o destino desta seja incerto. E, como cidadão amadurecido pelas intempéries da pátria, aconselho humildemente o nosso Secretário da Emigração, perdão da Juventude, a liderar heroicamente as massas em movimento. Aliás, com a juventude na estranja, o seu destino seria também o inevitável desemprego, a não ser que o nosso primeiro transformasse a dita Secretaria da Juventude em Secretaria dos Anciãos. E rapazes apressem-se, pois a concorrência dos magrebinos ou de outros desesperados é enorme e jangadas não faltam neste mundo. E, além disso, não se esqueçam que de supetão Espanha, Itália, França, enfim, a Europa, ou mesmo o Mundo, podem também entrar em crise. Então o naufrágio seria universal e na Arca de Noé, como é do senso comum, só teriam lugar os habituais privilegiados passageiros de eleição.
Assim,  pelo menos conjunturalmente, o nosso, salvo seja, pobre Passos Coelho poderia transformar a bem da pátria, depois de aprovação do Tribunal Constitucional, este Reino da Estupidez no Reino dos Anciãos, pois estes, embora acossados pela fome, com as suas maleitas e reumáticos, não fazem greves nem manifestações, e além disso já não contarão muitos anos de vida. Assim despovoado o Reino, já não ao cheiro da canela mas da crise, o nosso governo e comparsas apenas terão de gerir o ambíguo Reino do Vazio.
Num imponente cavalo branco, à frente do seu séquito, o nosso Primeiro irá então correr o Reino, em busca dos resultados da sua arguta estratégia. Mas um enigmático nevoeiro cerrado a cobrir o território cega então o olhar do nosso preclaro e último governante. Indeciso entre a provável cegueira e os efeitos da neblina, não avista vivalma. Dirá então: “Estão tão pobres que já nem se vêem!”. Todavia ao longe consegue avistar, com o auxílio de lentes triplas, um navio fantasma a afastar-se da costa. A bordo leva para sempre o mostrengo da Crise, um misto de cágado, hidra e elefante, pelo me nos na visão delirante do nosso líder.
 “Vencemos!”, dirá então. Mas como é próprio das histórias de proveito e exemplo, reza a lenda que, enlouquecido com o vácuo criado à sua volta, se transformaria em pedra e ficaria cego Infante a simular eternamente o olhar sobre o infinito.  
  


Géricault - A Jangada de Medusa (1819)


 

domingo, 30 de outubro de 2011

O Pássaro e o Índio Velho





Dos raros textos autobiográficos que Alves Redol (1911-1969) nos deixou, salienta-se o “prefácio” de 1966 à tragédia Forja. Interveniente num movimento literário, o Neo-Realismo, que despontou em fins da década de 30, globalmente identificado com o “mundo dos outros” e a sua gesta colectiva, parece ter-se esquecido de falar de si, embora se saiba que o discurso sobre a alteridade é sempre um modo de revelação do sujeito da enunciação. Por isso, este texto com um relevante pendor poético parece ser uma quase excepção no conjunto da sua obra. Humildade instintiva ou forjada crença ideológica segundo a qual “os olvidados da literatura” deviam ter um lugar primordial na cena das estórias e da História? Daí o apagamento do “eu” e a exaltação do “outro”, ainda que a construção romanesca do “outro social” fosse também uma metamorfose dos sonhos e decepções do autor. Mas, neste texto, lemos Redol a confrontar-se com o trabalho do tempo e a descodificação das suas marcas no seu próprio corpo. Aqui o tempo individual coexiste com o tempo colectivo: “ Agora começo a parecer-me com um pássaro, descobri-o ontem no perfil de uma fotografia. Meio pássaro, meio índio velho, raízes à superfície das mãos que tanto amor inventaram, tanto rosto, e tanto, vincos de apetecer, penas de pássaro cansado de ninho e sem ninho, penas de sonhar, quase uma ruína, ou mesmo uma ruína, e na qual ainda vibra a mesma semente de juventude, pronta a reverdecer a qualquer hora, como as cordas de um instrumento onde a vida passa os dedos para me ressuscitar. Encosto o rosto à terra seca destes cinquenta e quatro anos e oiço o tropel do que lá vai, e invento o tropel do que há-de vir já amanhã, sempre amanhã, como se a semente enforcada nas pedras da ruína soprasse numa tuba de flores calejada de poesia e de amargura. Calejada de suor e de magia. Todas as manhãs recomeço a vida, como se nas grutas da memória nem um traço sequer me lembre a passagem do que já aconteceu.”
Magritte - Perspicácia (1936)
Na imagem fotográfica a ver-se simultaneamente o outro e o mesmo – a cristalização do tempo e o desejo da permanente reinvenção. O duplo no artefacto estético é sempre uma fonte de estranheza e até de hostilidade, na tradição romântica ou na versão posterior de Oscar Wilde. Mas cada vida pode ser também uma sucessão de mortes e ressurreições. Não vale a pena apagar as rugas da memória, aliás fazê-lo é um mero simulacro. O importante é manter a criança interior (o pássaro) que pode sobrepor-se à máscara do tempo (o índio velho), embora as imagens fotográficas nem sempre captem essa pulsão interior. É uma questão de ângulo de visão e de sensibilidade do fotógrafo. E o futuro é essa miragem do desejo eternizado.
Como diria Mestre Feliciano da Barca (Avieiros): “A gente traz o pássaro dentro de si, mas deixa-o fugir muitas vezes. Muitos deixam-no fugir à nascença. Esses ficam como pedras… Piores do que as pedras. São poucos os que voam com o pássaro.” Árduo mas possível é esse convívio do índio velho com o voo do pássaro. Depois as palavras inscritas nos rumores do tempo aí ficarão como testemunho dessa tensão entre as pedras da ruína e o voo da semente.


Lima de Freitas - Retrato de Alves Redol (1952)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Indignados



Jan van Eyck,, "A Adoração do Cordeiro Místico (painel central retábulo de Gent)", 1432 




Hoje acordei com o corpo vazio. Talvez a falta do Verão que não tive, ocupado a escrever um livro. Esqueci-me do calor meridional, envolto nas neblinas persistentes da minha aldeia numa colina a ver-o-mar. O calor veio tarde, outoniço a saber a Verão – a desordem das estações ou a nova ordem das estações. Tanto faz!
Na Líbia, mataram o tirano, em jeitos perversos; as imagens dizem tudo. Os seus ex-amigos do Ocidente agradecem, não fosse ele dar com a língua nos dentes e fazer algum sangue a espirrar-lhes o rosto de petróleo. Na Europa, políticos sem jeito não sabem como degolar o cordeiro na Acrópole. Afiam-se as facas dos senhores do mercado. Jovens por todo o ocidente instalam-se nas praças, outros menos jovens também manifestam a sua ira. Mas todos parecem estar sem rumo. Os velhos partidos de esquerda perderam a capacidade de aglutinação. O corpo colectivo em movimento sabe o que não quer, não o que quer. Eu também estou indignado. Com o Verão que não tive, com os meus governantes que aumentam o orçamento das forças de segurança, mas reduzem substancialmente o da saúde ou o da educação ou o da cultura, e sobem delirantemente os impostos. Em nome da sagrada austeridade, do equilíbrio financeiro, do pacto com a troika, lá vamos todos no engodo. Daqui a dois anos, depois desta caça inglória ao já depauperado ”tesoiro popular”, estaremos nas vascas como os helenos.
Mas, para gáudio dos descrentes, a animar a soturna festa, os polícias e os militares também estão indignados com o “bando de incompetentes que nos desgovernam”. Estes e os anteriores que contrariamente, o ciclo era outro, acicatavam os apetites consumistas do povo ou se deslumbravam com os infinitos quilómetros de auto-estradas, algumas apenas percorridas por fantasmas ou pedras rolantes. Assim se retalhou a paisagem e se acelerou o despovoamento do dito interior. Ficaram apenas alguns resistentes sem ferrovias ou transportes alternativos. São velhos, pouco consomem, pouco votam. A ordem era para consumir, numa promíscua relação entre o público e o privado. Vieram as P.P.P., as parcerias público-privadas com contratos leoninos a favor dos empresários que construíram hospitais e auto-estradas a perder de vista. Funcionários ora no governo, ora na administração das empresas de construção ou do negócio da saúde. Foi, é, um fartar vilanagem. O povo é sereno, até ver.

Pieter Bruegel - A Torre de Babel (1564)
Os nossos académicos e neo-liberais  governantes estão agora entre a espada e a parede. Ou dobram o orçamento do aparelho militar e policial, engordando perversamente o Estado, embora haja obviamente gorduras boas e outras não, tudo depende do ponto de vista, ou então arriscam-se a ter passivas forças ante o ímpeto dos famigerados “enragés”. O caos à espreita em cada esquina, a não ser que um messiânico ditador, embora em vestes “democráticas” ou “neo-liberais”, venha impor a velha/nova ordem. Os ventos da História estão, porém, como as estações, indefinidos e im previsíveis. Mais do que de uma nova política, precisamos urgentemente dum novo paradigma cultural, a nível global. Economia ao serviço da humanidade: comida para todos sabiamente repartida; comer menos mas melhor, a bem do equilíbrio dos corpos. Conceder a todos os povos os meios de produção capazes de garantir a sua sobrevivência. Crescer economicamente de acordo com as asas do desejo dos povos e a respiração da terra. Interditar a acção dos secadores de sonhos. Democratizar os saberes para que a humanidade não se deixe engodar com as palavras gordas das mafias do capitalismo internacional. Criar uma nova ordem internacional fundada em valores de solidariedade e não na voracidade infinita dos especuladores financeiros. Em nome da saúde dos povos e do planeta!
Nada de novo, pensará acertadamente o meu leitor mais atento. Mas, como diria o poeta e pintor Almada Negreiros, “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade.”

Isto digo também eu, que acordei com o corpo vazio mas indignado. A ver o mar!




"Convergências",  Praia Grande, 2011


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Os Desconcertos do Mundo


Marcelino Vespeira, "Apertado pela fome", 1945






Na Somália morrem cinquenta crianças por dia por causa da fome – a região do chamado Corno de África, onde este país se insere, atravessa um dos períodos  de seca mais catastrófico das últimas décadas. Além disso, uma guerra absurda, como se todas as guerras não o fossem, de 20 anos agrava a tragédia. A miséria, aliás, agudiza as tensões tribais num Estado frágil, porque imaginado em função das estratégias das ex-potências coloniais, em 1969.
Na televisão ou na internet, imagens de corpos de crianças semi-cadaverizadas incomodam-nos, mas já estamos todos de tal modo vacinados com a inflação de imagens da tragédia africana, diariamente consumidas, que o horror se banaliza. Olhamos, fazemos uma careta e vamos à vidinha. A nossa memória é selectiva para o bem e para o mal, e aquelas figuras de mortos-vivos depressa caem no nosso rio de Letes. Neste  Ocidente cristão nem sempre bem comportado – muito gostamos de carregar no gatilho – preocupamo-nos mais com o atropelamento do gato da vizinha (chama-se a isto ter o coração a olhar para a nossa esquina) do que com as tragédias longínquas, sobretudo dessas  que acontecem a negros lá no Corno de África (com tal designação toponímica não era de esperar outra coisa, dirão mesmo num sussurro os mais preconceituosos em questões de raças). Mas podia ser o Corno da Abundância, caso o mundo não fosse tão iníquo, dirão os mais sensatos. Pois é! Com tanta tecnologia e tanta preocupação encenada com o mal-estar dos outros, como é possível que meio milhão de crianças estejam à beira de morrer por falta de alimentos, quando no Ocidente cristão se morre de obesidade pelo excesso de alimentos consumidos? Seria bom então que, em benefício de uns e de outros, a gula ocidental fosse controlada e o excedente fosse enviado para os países da geografia da fome. Ocidentais mais saudáveis e elegantes e negrinhos com a fome saciada lá no tal Corno de África. Como ele é ingénuo, pensará o meu benévolo leitor. E quem pagaria os tais excedentes? Os ocidentais obesos pagam os excessos consumistas com pilim bem sonante, nem que para isso tenham de se endividar. O último a fechar a porta que pague a conta, mas os negrinhos...
E uma taxa mínima, qualquer coisa como 0,00001% sobre juros e dividendos, não seria uma solução? Tudo se resume a uma questão de boa vontade cristã. E os ricos estão cada vez mais ricos.  Aliás a obesidade capitalista também pode ser um factor de doença. Veja-se o ar angustiado dos nossos ricos! A angústia sempre foi uma luxuosa maleita dos de barriga-cheia. Doença? Essa é boa, sobretudo para os outros, os pobres que estão cada vez mais pobres! - dirá um leitor com pulsão socialista. Doença ou inveja?  - dirá, por sua vez, um leitor malévolo e reaccionário. Assim ninguém se entende, diria eu.
E depois há os paraísos fiscais e o Tea Party que se entorna logo que ouve falar em taxar as grandes fortunas. Isso é lá nos "States", quanto aos paraísos fiscais não seria possível fazer com que tais utentes passassem previamente pelo purgatório? -  questiona um  leitor, perito em Teologia. Meu Deus, como o entendimento de coisas fáceis é tão tremendamente difícil.
E entretanto entre a escrita desta verborreia e a sua leitura, alguém me saberá dizer quantas crianças morreram já com fome?