sexta-feira, 7 de junho de 2013

Os Governantes e a Mitologia Lusitana


Vieira da Silva - História Trágico-Marítima ou Naufrágio (1944)


Em 2 de Fevereiro de 2012, li num jornal que o nosso insigne ministro das Finanças de nome Gaspar, numa entrevista ao Financial Times, numa retórica e patriótica comparação, declarava que os abissais desafios com que actualmente nos confrontávamos eram insignificantes para um povo que historicamente tinha já superado obstáculos bem mais gigantescos: “quando os nossos navegantes se fizeram ao mar […] não tinham controlo absoluto sobre como seria o seu desempenho perante as tempestades”. Mas, inspirado no poema épico de Camões e assumindo a tradição dos Bartolomeus, Eanes e Gamas, acrescentaria: ”Temos tradição de ser bons marinheiros e de nos prepararmos para todas as tempestades”. Na noite anterior à entrevista pedira aliás a um dos seus devotados adjuntos que lhe lesse um resumo d’Os Lusíadas, pois o tempo era escasso para tão árdua leitura. Precisava de se inspirar nas Musas da Pátria, as Tágides da sua memória escolar, bastante desgastada com a sua longa ausência da terra natal, devido aos apelos dos Bezerros de Oiro que na estranja há muito reconheciam os talentos deste sábio do numerário.


Otto Griebel  (1895-1972) - Um Desempregado dos Anos 20

Mas, para infelicidade nossa e do Gaspar, este teve de mudar o rumo das histórias, já que tudo o que previra para superar os Adamastores da nossa crise financeira havia naufragado, com tantas trombas de água e enjoos a bordo face a tal turbulência. Em Maio de 2013, o nosso Primeiro, o astuto Coelho, face ao naufrágio anunciado do seu guru financeiro, entretanto regressado de uma ilha deserta para onde o cataclismo o lançara com outros destroços, resolveu aconselhá-lo delicadamente a mudar a rota das metáforas. Talvez o Fado, essa genuína toada da alma nacional, sugeriu o notável Gaspar. Dolorosamente pensativo o nosso Primeiro teve então um clarão súbito, melhor do que o Fado, demasiado abstracto para os ouvidos da populaça, talvez a recente história trágica do Benfica, essa glória asada dos anos 60 e com cem milhões de adeptos pelo mundo, nos pusesse a navegar à bolina do imaginário nacional. Mas eu sempre fui do Sporting, ripostou apreensivo o notável Gaspar. Não te preocupes, com uns telefonemas arranjo-te um cartão de sócio até com a data do teu nascimento. E assim foi. Em 30 de Maio de 2013, durante um almoço de empreendedores, organizado pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola, o insigne Gaspar foi convidado a proferir uma douta conferência sobre o estado da Nação. E quando a ilustre assistência se preparava para ouvir uma sábia lição sobre o presente e o futuro desta depauperada nação (empresas falidas, um milhão e meio de desempregados, as trombetas do Apocalipse a troar no céu lusitano), eis que da voz simultaneamente sibilina e humorada do conferencista saíram estas palavras inesperadas: “Queria pedir a vossa simpatia pelas semanas que tenho vivido como adepto do Benfica. Esta questão de perder sucessivamente 2 – 1, em alguns casos depois do tempo regulamentar, é de facto uma provação que merece toda a simpatia”. E assim se deu a volta ao texto, melhor ele deu uma prova da sua identificação com o genuíno trajecto da gesta nacional: derrotados mas eufóricos por mais estas vitórias morais.


Frederic Watts - Esperança (1886)

E para aqueles que pensam que o tempo dos três efes (Fado, Fátima e Futebol) passou à História, desenganem-se, pois para esta tragicomédia acabar em apoteose, o nosso Presidente Cavaco agradeceu a Nossa Senhora de Fátima pela aprovação da 7ª Avaliação daTroika. Será que o nosso D. Sebastião estará prestes a regressar do nevoeiro?


Salvador Dali - Construção Mole com Feijões Cozidos (1935-36)


PS – E para os mais distraídos que pensam que esta história se passou no Reino da Barataria, é meu dever de cronista informá-los de que todos estes factos são verdadeiros e se passaram nesta infortunada nação chamada Portugal que, segundo o Poeta, é o rosto da Europa que “Fita, com olhar esfíngico e fatal,/ O Ocidente, futuro do passado”.


Gustave Courbet - Tromba de Água (1869-70)

Albrecht Dürer - Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (1497-98)


James Ensor - Os Sábios Juízes (1891)


James Ensor - A Raia (1892)


Hendrik Mesdag - Regresso dos Barcos de Pesca (1895)



Bonaventura Peeters  (1614-1652) - Tempête dans le Grand Nord (2º quartel séc. XVII)



Pieter Bruegel - O País da Abundância (1567)