sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Somos todos culpados...


Ensor - A Entrada de Cristo em Bruxelas em 1889 (1889-90)

  "Portugal não caiu nesta crise por culpa dos mercados malvados, das agências de rating implacáveis, de políticos corruptos; de banqueiros irresponsáveis, de empresários medíocres e de sindicatos anquilosados. Portugal caiu nesta crise por culpa de todos, sem excepção."

Editorial (António Ribeiro Ferreira e Ana Sá Lopes) do jornal i, , 15-12-2011


Pela minha parte aí vai o mea culpa pelo milionésimo grão de responsabilidade que me cabe em sorte! Antes de mais culpados pela ousadia de existir neste terrunho implantado no extremo ocidental da Europa, pelos rituais de queixumes e lamentações que libertamos quando nos aproximamos do abismo, algo que já experienciámos noutras ocasiões de crise ao longo da nossa já longa História. Culpados pelo medo de agir, de questionar os sagrados poderes que nos foram retirando a energia de ser alguma coisa, por humilde que seja. Culpados por imitarmos toscamente os modelos de vida que mediaticamente nos chegavam dos eldorados do consumo. Culpados porque herdámos essa difusa infracção dos nossos primeiros ascendentes, a de terem comido o fruto proíbido. Culpados por aceitarmos como um fado a irresponsabilidade das elites políticas que nos governaram nas duas últimas décadas. Culpados por termos uma justiça que pune os criminosos de baixa estirpe social e deixa à boa vida os colarinhos brancos mesmo que sujos de sangue. Culpados porque nos deixámos lograr por banqueiros (os de cá e os da estranja) e suas clientelas sem escrúpulos. Culpados pela democratização dos odores da corrupção. Culpados por termos desejado um Estado Social, pelos vistos a destempo. Culpados por de barriga ilusoriamente farta nos termos sujeito á sagrada usura dos mercados. Culpados pelo vazio de ideais e projectos colectivos, pela destruição do aparellho produtivo. Culpados pela iliteracia de muitos dos nossos empresários. Culpados pelos soberbos e céleres ferraris nas ruas de desempregados e sem-abrigo.Culpados também pela crise sistémica (?) do capitalismo. Depois desta catarse confessional, talvez já não me condenem a alma às labaredas do Inferno!

Sr. António e Sr.ª Ana, a vossa retórica de comover os espíritos mais empedernidos é de facto a melhor terapêutica para apagar a responsabilidade maior de quem nos conduziu a tal desenlace. Quando dizem "Portugal caiu nesta crise por culpa de todos, sem excepção", esta asserção totalitária significa que realmente a culpa democratizou-se e assim nos liberta das justas acusações aos eleitos por tal descalabro. Ou será que acreditam ser possível levar à barra de tribunal cerca de 10 milhões de meliantes? Melhor seria (será?) talvez condenar ao desterro os espoliados de sempre. Mas, senhores, porque vos coube a vós ser a incarnação do superego colectivo? Pela minha parte submissamente me ajoelho ante a vossa voz acusatória e divinal. Lá nos encontraremos um dia no purgatório!



Ensor - A Morte e as Máscaras (1897)



1 comentário:

  1. Só agora li este texto. Professor Vítor, achei uma mea culpa que muitos de nós sentimos e, que, depois de reflectirmos, só nos faz sentir não culpados de pertencermos a esses verdadeiros culpados.

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