domingo, 6 de abril de 2014

Para não falar de política!

Carel Willink  (1900-83) - Paisagem com Estátua Caída (1942)

De que é feita uma vida? Hoje com setenta anos ainda não sei responder. Cada caso é um caso, diríamos carregados de bom-senso, embora todos estejamos condenados ao mesmo desenlace. Por vezes penso que uma aparente fugaz imagem pode ser o cerne da questão. Uma imagem que de certo nada vale ante as peripécias narradas por uma comunicação social (a famigerada agenda noticiosa) que inexoravelmente ritma os dias do nosso quotidiano: atentados, guerras, especulações bolsistas e outras, naufrágios, bizarrias meteorológicas, pequenas e grandes catástrofes - por vezes tão longínquas, apesar de mediaticamente próximas, que depressa se apagam da memória -, traições e anedotário político, delitos,corrupções e necrologias dos afamados. E, quando os grandes entusiasmos das paixões ideológicas ou outras passaram no tempo curto da nossa história, fica então esta sensação de vazio que nada pode preencher. A voracidade do tempo é desmesurada e na caminhada vão ficando as máscaras destroçadas que nos couberam em sorte ou desnorte.


Giorgio de Chirico (1888-1978) - O Enigma da Hora (1911)


Depois, quando despojado de tanta ficção, o nosso corpo enrugado continua apenas aberto aos sinais da natureza,  enquanto os sentidos não vão obviamente embotando completamente: rumores, aromas, paisagens, gestos paralisados no tempo. Então descobrimos que a felicidade é uma ficção que os deuses inventaram para nos iludir, seja na terra ou no céu. A vida é um litoral branco, onde podemos imaginar palavras ou imagens que possam dar algum sentido à caminhada. Mas, para lá disso, o que fica é um corpo com as suas necessidades básicas a que por vezes chamamos desejos, desnudado já das pequenas e grandes verdades que motivaram a rota de tantas vidas. As convicções persistem, mas descolaram-se do corpo, como um hábito ou uma rotina já sem a capacidade sequer de sulcar a pele dos nossos dias.


Giorgio de Chirico (1888-1978) - Melancolia de uma Bela Jornada (1913)


E hoje, 6 de Abril de 2014, dia em que escrevo esta sensaboria desconexa e vagamente pessimista, a Primavera aí está com todo o seu esplendor apolíneo. E este lugar-comum que habita as conversas quotidianas, ao sabor dos códigos sociais, se não me euforiza, pelo menos desperta-me agonicamente os sentidos para o voo das árvores, das flores e das aves, entes que nunca tiveram a necessidade de se interrogar sobre o sentido da vida ou da felicidade. Deixemo-nos então esvoaçar aos ritmos das asas deste cenário que não se deixa enredar nas teias da infinita busca de sentido. Hoje é um bom dia para apenas existirmos, se é que dizê-lo tem paradoxalmente algum sentido.  


Giorgio de Chirico (1888-1978) -  A Jornada Ansiosa (1913)

2 comentários:

  1. "Apenas existirmos ... " o que mais vamos fazendo por aqui !
    Um abraço. Texto excelente ... melancólico, doídamente realista ...

    ResponderEliminar