quarta-feira, 25 de maio de 2011

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades


Courbet - O Sono (1866)

Numa esplanada de um café de Colares, na mesa ao meu lado estavam seis raparigas, entre os 16 e18 anos, provavelmente estudantes do Secundário. Entre elas destacava-se uma jovem de cabelo rapado à garçon  não só pelo aspecto um tanto masculinizado, mas também pelo modo quase provocatório como exibia o seu assumido lesbianismo. Para além da ousadia com que tentava beijar as suas companheiras, com o ambivalente gáudio destas que subtilmente escapavam aos seus ataques, também enunciava as suas narrativas eróticas, frontalmente  e  a bom som, sem qualquer pudor. Além de referir as suas aventuras  amorosas, com alguns pormenores íntimos, falava das suas relações com os pais. Contrariamente ao pai que teria tentado contrariar as suas tendências, já a sua mãe ter-lhe-ia confessado o prazer único retirado de uma relação ocasional com uma colega de trabalho. No jogo exuberantemente ensaiado, confessava o seu fascínio prematuro pelas parceiras do mesmo sexo, as suas conquistas e até algumas relações fortuitas com diversas jovens, gabando-se ”virilmente” dos prazeres usufruídos com tais práticas. Uma das companheiras, para evitar equívocos, chegou mesmo a informar as presentes de que tendo dormido uma noite com ela, se vira obrigada a corrê-la da cama e a pô-la a dormir no chão. Ou a  sugerir-lhe uma amiga bissexual , com a qual poderia ter todo o êxito.
No intervalo dos seus avanços não correspondidos, criticava as suas companheiras, feitas tolas pelos interditos sociais, por não serem capazes de gozar as verdadeiras delícias da sexualidade lésbica. Tudo isto se ia desenrolando em plena galhofa colectiva, como um espectáculo de que o único espectador forçado era eu.
O erotismo perdia nesta situação o seu espaço de intimidade, como se o jogo da voz e dos gestos, enquanto expressão pública da libertação dos interditos, fosse uma condição da sua própria realização.
Enquanto “voyeur” deste ritual, lembrei-me dos tempos em que a exibição verbal das glórias eróticas eram apenas privilégio masculino, mas nesta democratização sexual em curso a fala confunde-se com o falo, o acto com a sua expressão verbal. E quem não quiser ouvir por preconceito ou recato puritano pode sempre fixar os olhos e os ouvidos,  em pleno cenário bucólico, nas águas e nos patos da ribeira de Colares.
Mas não sejamos hipócritas, sempre houve um ambivalente fascínio masculino pelos amores lésbicos. Os corpos na dança dos desejos como os anjos não têm sexo.  Esta cena insólita, no entanto, estava mais perto de uma farsa adolescente do que de uma configuração estética do erotismo. Mas cada um/uma tem o direito de brincar ao amor como sabe e pode. As vontades mudaram as modalidades do desejo sexual e a palavra poderá voar lúbrica e liberta no trânsito entre o privado e o público. A cada um/uma cabe saber os limites da transgressão do recato.




Lempicka - As Raparigas (1928)



   

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