sábado, 4 de junho de 2011

A Violência Juvenil e a Ampliação Mediática


Paula Rego, A pequena assassina, 1987


Dois casos de violência juvenil mereceram de modo diferenciado algum relevo da imprensa e da televisão, na segunda quinzena de Maio. O primeiro, no recato de uma interioridade pouco apelativa para os meios de comunicação de massas, rapidamente perdeu pertinência enquanto mais-valia informativa. Já o segundo, pela sua ampliação mediática nas redes do facebook, foi objecto de uma reiterada exposição televisiva, com reprodução exaustiva e obsessiva das imagens captadas na dita rede social e comentários de psicólogos, sociólogos, juristas e dos tudólogos do costume.
Vamos à primeira história: na pacata cidade de Trancoso, uma adolescente de 13 anos, aluna da Escola Básica, teria sido violada sucessivamente por quatro colegas, habitantes na mesma aldeia da vítima. De calças rotas sujas de esperma, a jovem apresentou queixa dos agressores e nada mais soubemos da sequência do processo, nos planos policial e jurídico. Segundo a imprensa, a vítima teve de continuar a conviver com os seus agressores, pois a direcção da Escola não suspendeu os violadores, dado que os abusos teriam ocorrido no exterior da instituição.
Este é um evento do país real a merecer uma análise atenta, nos planos ético e sociológico, pois o mundo rural, para lá do bucolismo convencional, parece estar sujeito a um imaginário juvenil semelhante àquele que afecta os subúrbios de Lisboa ou do Porto. Neste mundo globalizado, as imagens da cobarde virilidade adolescente, de um sadismo padronizado a vitimar os mais frágeis, de uma agressividade lúdica a apelar para as pulsões mais destrutivas de cada ser, não são um monopólio do mundo urbano.
Paula Rego - Mulher-Cão (1994)
Estranha-se, por outro lado, a passividade da direcção da Escola, como se tais actos, embora exercidos num espaço extra-muros, nada tivessem a ver com os modelos e os valores educativos praticados na própria instituição, ou seja, com a eficácia pedagógica na transmissão dos valores humanistas que devem reger a educação. Mas não sejamos ingénuos, as escolas são, de facto, ilhas pedagógicas cercadas por um imaginário nuclearmente violento, muitas vezes orientado para as camadas adolescentes. Os jogos de vídeo são disso um bom exemplo e as narrativas da violência gratuita são um bom negócio. E isso não se combate apenas com a censura, mas com a transmissão lúdica de valores de solidariedade, de fraternidade, de liberdade e de generosidade, algo que é da responsabilidade de toda a sociedade, embora saibamos que o inferno se vende melhor que os simulacros de “paraíso”. Mas ao negócio negro podemos sempre opor o ócio criativo e a escola é o seu espaço privilegiado. Segundo a etimologia greco-latina “escola” significava “o ócio consagrado ao estudo”.
Quanto à segunda história, mais badalada na imprensa e na televisão, pela carga mediática em função dos factores acima enunciados, envolve quatro adolescentes, numa cena de violência espectacular, qualificação que se deve em grande parte ao facto de ser filmada por um dos participantes e exposta como tal numa rede social da internet. Duas adolescentes, sendo uma ainda menor, agridem repetidamente com toda a violência uma colega com 13 anos de uma escola dos subúrbios de Lisboa, sob os incitamentos do jovem "realizador", que sequentemente introduziu o filme no facebook.
Paula Rego - Anjo (1998)
Trata-se de uma cena exemplar, pois, para além da violência praticada, a sua publicitação duplica semanticamente o sentido do acto. O actor principal desta ficção realista é o jovem operador, pois é a sua voz de comando, como se de um encenador se tratasse, e o seu olhar que acabam por configurar o território da violência. Esta pulsão “fascista” cenografa  como uma metáfora uma vertente simultaneamente superficial e profunda desta nossa sociedade do espectáculo. O evento real cria aqui efeitos de ficção, e nesse aspecto não andaríamos longe da estrutura dos televisivos reality shows.
O jovem "cineasta", já com antecedentes criminais, viria a ser preso. Deixo, no entanto, uma sugestão. Nas horas de ócio prisionais, não seria possível inscrevê-lo numa Escola de Cinema? Ou em alternativa exportá-lo para Hollywood, tendo em conta o seu jeito para a feitura de filmes violentos? E já que falo em violência cinematográfica, deixo aqui algumas interrogações.
Tornar a violência uma narrativa ficcional será um modo possível de catarse social, ou, pelo contrário, será ainda um factor activador do desejo sádico de destruir o outro?
Sabemos que não vivemos num mundo de anjos, mas a hiperbolização  gratuita da violência ficcional, no mundo do espectáculo, não será já em si um acto de violência social?
Interrogações sem pertinência, diz-me um benévolo leitor, nesta conjuntura em que o povo andou tão distraído com o carnaval eleiçoeiro! Ao que eu ripostei: sou apenas um humilde cronista de casos do quotidiano, e essas arruadas nem a isso chegam! 

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