terça-feira, 8 de novembro de 2011

Do Reino da Estupidez ao Reino do Vazio


Jean-François Millet - Les Glaneuses (1857)

 “Portugal só conseguirá sair da actual crise empobrecendo”, disse sagazmente o nosso Primeiro-Ministro Passos Coelho há cerca de duas semanas. E o nosso Secretário de Estado para a Juventude, do qual não me lembro o nome, tendo como destinatário os desempregados jovens, afirmaria, uma semana depois, ainda mais sagazmente, que a solução estaria na emigração: “Os jovens desempregados saiam da sua zona de conforto [isto é, o desemprego confortável] e tentem uma vida melhor no estrangeiro”. Reentrámos no Reino da Estupidez ou do Absurdo?
Quanto à primeira frase, liberta-se dela um odor antigo do tempo dos “pobretes” mas “alegretes”. Ou será, na ambiguidade da mensagem, empobrecer os ricos já que empobrecer os pobres, além de pleonasmo de mau gosto, não tem qualquer sentido? A crise, essa hidra malfadada, aí está para legitimar a fome; o desemprego; a corrupção; o fosso cada vez maior entre ricos e pobres; uma “Justiça” que não funciona, a não ser para os abastados e famosos que são os únicos a poder pagar os admiráveis advogados, sábios no modo como conhecem de apelo em apelo maneira de os processos ou as penas prescreverem; as remunerações chorudas e intocáveis dos gestores das empresas públicas na falência ou a incapacidade de reformar o aparelho de Estado, colocando-o de facto ao serviço dos cidadãos. Mas para nosso consolo aí temos complementarmente a mensagem salvífica do dito Secretário: rumem em direcção ao estrangeiro, a pátria é mais uma vez não a mátria mas a madrasta. Os portugueses jovens e menos jovens sabem, no entanto, pela voz da memória colectiva, a tradição da diáspora lusa ao longo dos séculos, como terapêutica do colectivo mal-estar, por isso não necessitavam de tão sábio conselho do tal Secretário da Juventude
Pollaiolo - Hércules e a Hidra (1460)
Então jovens e menos jovens do nosso país preparem a sacola, com os parcos haveres, e ala para a estranja que se faz tarde, que a crise não se come. Para os mais carenciados, há viagens económicas na “jangada de pedra” do Saramago, embora o destino desta seja incerto. E, como cidadão amadurecido pelas intempéries da pátria, aconselho humildemente o nosso Secretário da Emigração, perdão da Juventude, a liderar heroicamente as massas em movimento. Aliás, com a juventude na estranja, o seu destino seria também o inevitável desemprego, a não ser que o nosso primeiro transformasse a dita Secretaria da Juventude em Secretaria dos Anciãos. E rapazes apressem-se, pois a concorrência dos magrebinos ou de outros desesperados é enorme e jangadas não faltam neste mundo. E, além disso, não se esqueçam que de supetão Espanha, Itália, França, enfim, a Europa, ou mesmo o Mundo, podem também entrar em crise. Então o naufrágio seria universal e na Arca de Noé, como é do senso comum, só teriam lugar os habituais privilegiados passageiros de eleição.
Assim,  pelo menos conjunturalmente, o nosso, salvo seja, pobre Passos Coelho poderia transformar a bem da pátria, depois de aprovação do Tribunal Constitucional, este Reino da Estupidez no Reino dos Anciãos, pois estes, embora acossados pela fome, com as suas maleitas e reumáticos, não fazem greves nem manifestações, e além disso já não contarão muitos anos de vida. Assim despovoado o Reino, já não ao cheiro da canela mas da crise, o nosso governo e comparsas apenas terão de gerir o ambíguo Reino do Vazio.
Num imponente cavalo branco, à frente do seu séquito, o nosso Primeiro irá então correr o Reino, em busca dos resultados da sua arguta estratégia. Mas um enigmático nevoeiro cerrado a cobrir o território cega então o olhar do nosso preclaro e último governante. Indeciso entre a provável cegueira e os efeitos da neblina, não avista vivalma. Dirá então: “Estão tão pobres que já nem se vêem!”. Todavia ao longe consegue avistar, com o auxílio de lentes triplas, um navio fantasma a afastar-se da costa. A bordo leva para sempre o mostrengo da Crise, um misto de cágado, hidra e elefante, pelo me nos na visão delirante do nosso líder.
 “Vencemos!”, dirá então. Mas como é próprio das histórias de proveito e exemplo, reza a lenda que, enlouquecido com o vácuo criado à sua volta, se transformaria em pedra e ficaria cego Infante a simular eternamente o olhar sobre o infinito.  
  


Géricault - A Jangada de Medusa (1819)


 

2 comentários:

  1. O absurdo vem destas mentes toldadas de plena incompetência. Qualquer aprendiz de arrumador de laudas é guindado, por via do aparelho político, a lugares governamentais. Depos, à que cair em cima dos mais idosos, aqueles que não têm voz organizativa ou podem dar qualquer sugar de aforro ao Estado. Os novos à que bani-los, força-los a diáspora. Cabe ter esperança que " a Jangada de pedra " se torne " Jangada de Medusa" e essas malsãs gentes se convertam num repetitivo antropófago e libertem Portugal dos sacerdotes do " Mostrengo".

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  2. Maravilha, Vítor! Estou a começar a partilhar!!!

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