quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

As Palavras Silenciosas e as Silenciadas

James Ensor - O Homem dos Sofrimentos (1892)

O poder aposta no desgaste, nas mãos que se vão encarquilhando ao ritmo deste tempo de números legitimados pelas sacrais instituições financeiras que se apoderaram desta e de outras terras deserdadas de futuro. Os indignados vão cedendo a um destino, uns emigram, outros paralisam-se na impotência de agir. Dos partidos políticos fora do chamado “arco da governação” as suas vozes de contestação perdem-se nas neblinas da comunicação social ou nos ecos das efémeras manifestações de rua. O cansaço empurra-nos para o silêncio. As palavras de revolta ditas e reditas perdem simbolismo. Seria talvez preciso inventar outras, ou outros modos de as dizer. Nem que seja como um grito - uma raiva vinda das entranhas. Não às esmolas, nem à caridade, a sopa dos pobres do reino das jonets deste mundo, mas o imperativo desejo  de impor o direito à dignidade para todos.

Jules Adler - A Sopa dos Pobres (1906)

 Em nome da austeridade, de números manipulados ao sabor da estratégia fundamentalista deste poder dito neo-liberal, prepara-se uma ardilosa e radical alteração das bases deste nosso precário Estado Social. Deixem o mercado funcionar, reduzam o Estado a um mero cobrador de impostos e à sua benigna função repressiva, dizem eles.


Edvard Munch - Ansiedade (1894)

Com tantos desempregados e precários acabaram-se os arrebites reivindicativos. Fechem as escolas públicas, os hospitais públicos, a televisão pública, o ar público, as sentinas públicas, acabem com essa coisa inútil e despesista a que chamam cultura, privatizem os corpos não usados pelas rugas do tempo, já que estes nem para isso servem, dizem eles. Proíba-se a melancolia, esse sentimento parasita. Proíba-se o minguado lazer dos pobres, não o negócio do lazer para os excelsos que enriqueceram à custa de manobras fraudulentas a coberto dos interesses partidários e das poderosas máfias.



Marcel Gromaire - O Desempregado (1936)

Erotismo para os ricos, não para os trabalhadores, uma perversa fonte de perda de produtividade. Venham os escravos dos tempos modernos! Acelere-se o fim dos eufemisticamente chamados idosos cuja longa vida se tornou um encargo insuportável para o nosso caduco Estado-Providência, dizem eles. O poder precisa mais do que nunca de almas submissas, trespassadas pela lusitana tradição do Fado, não de cidadãos, na sua óptica, meras máscaras construídas pelos diabólicos vermelhos e afins.

Peter de Francia (1921-2012) - Diário do Nosso Tempo 


Louis Le Nain - Le Bénédicité (1642)

 Mas para os bancos, meu Deus, que são o coração intrépido desta nossa odisseia, que nunca falte a solidariedade abnegada do tesouro público, sempre que as suas trapaças os coloquem à beira do abismo. O mundo é dos fortes, dos fracos não rezará a História. Proliferem as sopas dos pobres, como mil flores primaveris, nobilita os dadores e cria nos humildes a benção sagrada da dádiva. Os homens sem direitos tornam-se os números dos nossos apetites insaciáveis. Assim dizem eles.



Paul Delvaux - O Congresso (1941)

Riem o Relvas, o Moedas, o Passos e o Gaspar e os outros pastores, desta nova Igreja, daqui e da estranja. Riem os ricos cada vez mais ricos e os seus abnegados servidores. Acabe-se de vez com este país de pobres com vícios de ricos. Dizem Eles… 

E nós? Estaremos condenados ao silêncio?



Peter de Francia - A Nave dos Loucos (1972)






Edvard Munch - Operários a Caminho de sua Casa (1913-15)




Edvard Munch - Melancolia (1892-93)




José Clemente Orozco - Deuses do Mundo (1932-34)



Ilia  Répine - Os Sirgueiros do Volga (1870-73)



Murillo - O Jovem Mendigo (1645-55)



Francis Gruber - Job (1944)



Van Gogh - Três Pares de Sapatos (1886-87)



Jean-François Millet - A Rajada (1871-73)


5 comentários:

  1. Mais uma vez gostei muito de ler as suas reflexões,sempre tão bem ilustradas.
    Atrevo-me a partilhar esta parte de Deslumbramentos, de Cesário:
    (...)
    "Mas cuidado, milady, não se afoite,
    Que hão-de acabar os bárbaros reais;
    E os povos humilhados, pela noite,
    Para a vingança aguçam os punhais.

    E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
    Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
    Eu hei-de ver errar, alucinadas,
    E arrastando farrapos - as rainhas!"

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Tão bem escrito, tão bem ilustrado, tão bem sentido! Lamento que algumas pessoas sejam preguiçosas e não abram o blog. Tens de encontrar uma forma de modo que a tua escrita chegue a muito mais gente!
    Leio-te como se te estivesse a ouvir, sabes? É que tu "és". Não "pareces". És! Saudades.

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  4. Magistralmente escrito, ilustrado a propósito, brilhante na lucidez!

    Esta, efectivamente, é a sociedade que nos querem deixar de refugo. A cheirar mais "a bispo", que panela de feijão esquecida no fogo !!!

    Bem-haja pela clareza, pelo toque nas consciências e nas almas sonolentas já de cansaço, e roucas as vozes que custam a erguer-se ...

    Não...não poderemos estar condenados ao silêncio, ou seremos a vergonha de tantos que já se calaram !

    Um abraço

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  5. O meu obrigada ao humanista que um dia me convidou a entrar na sua casa. E perdoe-me o elogio diminuto, decerto dentro das minhas possibilidades.
    Um abraço fraterno

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