sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Esperar para ver: as artimanhas de Marcelo



  • George Grosz (1893-1959), ST, 1920




Esperar para ver: as artimanhas de Marcelo

Contrariamente à opinião de alguns analistas, segundo a qual Marcelo Rebelo de Sousa seria paradoxalmente o presidente ideal para António Costa, penso que o hábil estratega da direita, ao não atacar o actual governo, sustentado num compromisso parlamentar das esquerdas, por um lado, cria uma ruptura relativamente à explícita estratégia revanchista da direita, um cenário ultrapassado porque corroído pelo tempo político, e, por outro, tenta cativar um número apreciável de votos na área do centro-esquerda.
De facto, Marcelo, com a sua argúcia política, numa postura tacticamente ambígua, nunca assumiu verdadeiramente qualquer apoio à política anti-austeridade deste governo e, portanto, de crítica implícita ao governo de Passos Coelho que, aliás, no fundamental sempre apoiou. Se analisarmos as suas intervenções na campanha eleitoral, notamos que se coloca num aparente intervalo de expectativa relativamente à eficácia das políticas de António Costa. Não diz que concorda com estas, mas que aguarda, com uma cínica esperança, que aquilo que o primeiro-ministro diz sobre o desenvolvimento da economia, sustentado simultaneamente pela aceleração do consumo interno e das exportações, ou sobre o ajustamento entre as despesas com as reformas sociais ou com as reversões de privatizações no sector dos transportes, o núcleo duro da "aliança" com os partidos mais à esquerda, e os compromissos orçamentais com Bruxelas, venha a ser realidade.
 Mas, no seu íntimo, Marcelo tem a absoluta convicção, e aqui assenta a sua estratégia, de que este governo, numa conjuntura de crise internacional, está condenado a ser de curta duração, pois será inviável superar a contradição entre os custos das reformas sociais e políticas, propostas ou já em execução,  e os limites orçamentais impostos pelas regras europeias, com o consequente estilhaçar do frágil acordo parlamentar que suporta o governo. Assim, não faria sentido colocar-se de antemão numa postura expressamente opositiva ao governo de António Costa, como pretenderiam alguns sectores mais radicais e irracionais do seu campo político, mas, numa táctica de ocupação de um território de pseudo-neutralidade face às forças em conflito, esperar, eleito Presidente, pela  derrocada do frágil acordo das esquerdas.
 E, neste cenário de crise, o Presidente Marcelo convocaria então eleições antecipadas, as quais, na sua óptica, dariam, com o sequente desgaste político da esquerda, uma maioria absoluta à direita, ou, na pior das hipóteses, criariam as condições para um governo do bloco central, após o fracasso da deriva esquerdista do Partido Socialista. Tudo isto explica a encenação marcelista nesta corrida eleitoral: o "apagão" ideológico ou partidário e uma quase virgindade política. Simultaneamente candidato, quase invisível, da direita e, numa luminosidade irradiante, de todos os portugueses. E o seu capital simbólico, enquanto catedrático do comentarismo político na televisão, seria, pois, suficiente para obter a vitória apoteótica à primeira volta, tal como as últimas sondagens parecem confirmar. Evitando ser conflitualmente o candidato da direita contra a esquerda, o que o colocaria numa posição de risco eleitoral, Marcelo surge, nesta narrativa, como o árbitro da conflitualidade política e o anjo pacificador da sociedade portuguesa, contrariamente aos seus principais concorrentes, meros joguetes malévolos de facções políticas. Esta novela espera novos capítulos.






Emil Nolde (Alemanha,1867-1956), "Mask still-life III", 1911

2 comentários:

  1. São só máscaras, mesmo! Mas o tiro, por vezes não sai em linha recta para a frente! Um abraço!

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  2. Claro que tens toda a razão, Vítor! Mas ainda tenho alguma esperança que possa haver uma 2ª volta!!! Beijinho.

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