sábado, 15 de janeiro de 2011

Algumas palavras ao sabor do tempo


Renato Guttuso (Itália, 1911-1987), "A morte dum herói", 1953



Pertenço a uma "geração" (um conceito obviamente polémico) cuja cultura se media pela capacidade de utopia que nos coubera em sorte. Mudar a vida. Mudar de vida. Transformar o mundo. Acreditar que a História tinha um sentido único: a libertação final de todos os oprimidos. Toda uma dimensão escatológica. Dos milhões de egoísmos, libertar a génese de uma solidariedade de sentido quase religioso. Mas a condição humana é mais complexa e a sua História também. Esta seria a nossa dolorosa lição do tempo.
Entretanto vieram outros modos de comunicação a introduzir mais vozes no diálogo do mundo. E também mais ruído, muito ruído, capaz de ensurdecer encantatoriamente os cidadãos mais incautos.
Éramos mais felizes in illo tempore? Não sei. Não se pode medir a felicidade, pois ninguém ainda inventou um aparelho capaz de o fazer com exactidão, pese embora as caricaturais pesquisas/estudos no domínio psicossociológico, uma moda pseudo-científica deste tempo.
Hoje não tenho ilusões, ainda que isso não seja uma certeza. Valerá a pena ensaiar modos de comunicação com o mundo? Não será o universo vocal da internet um acumular de monólogos de solidão?
Sem a convicção das respostas a estas questões, enquanto "cidadão do mundo" (passe a ironia), talvez valha a pena ir dizendo nas tertúlias do ciberespaço (caso alguém se motive com o teor da minha voz) o que em mim vai dialogando sobre os eventos desta época. Sabiamente humilde, poder interrogar-me com os outros sobre o modo de nos situarmos, com a liberdade possível, nos concertos e desconcertos do mundo e sobretudo deste Portugal (um destino imposto), numa época de crise e numa cíclica repetição das imagens colectivas da decadência nacional.
No tempo curto dos arruadores eleitorais para a presidência, um rumor efémero, cabe-nos sobretudo reflectir como o sonho de há 30 anos se foi esgotando, sem esquecer contudo que o mundo não se reduz às querelas político-partidárias ou económico-financeiras, à contabilidade do deve e haver. Talvez seja possível encontrar no quotidiano gestos cuja dimensão ética e estética façam de cada instante um simulacro de eternidade.
E mesmo que isso não nos liberte da morte, nem dos tensos mistérios do universo, ou dos problemas imediatos do estômago e do coração, talvez nos dê algum ânimo para continuar a caminhada individual e a colectiva. Os outros que digam o resto.

1 comentário:

  1. Gostei muito do texto. Se tivesse engenho e arte podia subscrevê-lo, com algumas variantes, é claro, mas, no essencial, tudo o que dizes é-me próximo. Fico contente por teres aderido à blogosfera. Assim estaremos mais próximos.

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