sexta-feira, 11 de março de 2011

Um Lugar de Eleição em Sintra: o Café Saudade

O sentimento chamado saudade caracteriza-se pela
sua duplicidade contraditória: é uma dor da ausência
e um comprazimento da presença, pela memória.
                                    António José Saraiva

Em Sintra, como noutras vilas e cidades do país, com gloriosas excepções, já  não há cafés que combinem a estética, a comodidade e um atendimento simpático. Ora, o Café Saudade, situado entre o velho edifício da Presidência da Câmara e a estação dos Caminhos de Ferro, é uma dessas honrosas excepções. É de facto um reencontro saudoso com esses antigos espaços que convidavam à formação de tertúlias, às cavaqueiras com os amigos ou à confortável leitura de um jornal ou de um livro, em convivência amena com uma chávena de café ou de chá. Com os seus recantos confortáveis, é um lugar simultaneamente íntimo e público. Bom para devaneios imaginários ou simplesmente para nos recolhermos do bulício das ruas, ou para lermos em sossego os jornais e revistas que diariamente os seus proprietários gentilmente colocam à nossa disposição. Como refere George Steiner, os cafés definem as fronteiras da Europa. E num mundo de solidões multiplicadas, é importante que se mantenha viva esta tradição europeia dos cafés
O espaço começou por ser uma pequena fábrica das célebres queijadas de Sintra (Fábrica de Queijadas Finas Mathilde), que durou entre 1890 e 1975, e  da qual mantém ainda hoje alguns vestígios. Depois transformou-se numa livraria. Mas, possivelmente, porque o público era escasso, acabou por fechar. Aliás hoje não há uma livraria em Sintra ou nos seus arredores. Sinais dos tempos.
Entre 2000 e 2007, o espaço foi ocupado por uma agência de viagens. Finalmente, em 2009, por iniciativa dos seus actuais proprietários, Mary e Luís, foi criado este belo lugar, chamado Café Saudade, numa recuperação feliz, pois combina equilibradamente uma estrutura adequada às suas novas funções e elementos arquitectónicos e decorativos a evocar a história do lugar. Daí a sua configuração um pouco labiríntica, com recantos “barrocos” a convidar à intimidade, articulados com espaços mais amplos, onde a luz penetra em ondas de suavidade, abertos a uma sociabilidade confortável.
Na sala principal, que ocupa a zona da frente do edifício, notamos a conservação do tecto com elementos decorativos Arte Nova, e no chão belos mosaicos de pedra de Cabriz, com vários matizes cromáticos.
Numa sala interior, podemos observar as antigas cubas de pedra e alguidares de barro, onde se colocavam os queijos para o fabrico das queijadas. É aí que se realizam exposições de pintura, artesanato ou fotografia, numa comunhão feliz entre a actividade da cafetaria e a exposição de objectos artísticos. Para além disso, realizaram-se algumas sessões nocturnas com músicos de jazz, actividade entretanto provisoriamente suspensa devido a problemas de gestão.
Se a saudade é uma palavra nuclear do modo de ser português, o Café Saudade é bem um símbolo desse virtual encontro entre o passado e o presente, de uma nostalgia que coabita com a alegria de viver. Ainda bem que, entre nós, há empresários,  como a Mary e o Luís, com a capacidade de criar um lugar e não um mero espaço inóspito de consumismo. Que o seu exemplo tenha seguidores para bem da histórica e bela vila de Sintra!

6 comentários:

  1. Sr. Vitor
    Adorei...beijinhos para os dois.
    Mary Pereira

    Obrigada

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  2. Em Agosto lá irei ( se tudo correr bem , claro!)
    ao Café Saudade matar saudades.

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  3. De duas pessoas especiais, só poderia sair um lugar mágico!

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  4. Nos arredores de Sintra pode encontrar a Plantier Livreiros. Embora num centro comercial mantém o seu simpático acolhimento e atendimento personalizado. Visite em www.plantier-livreiros.pt

    Espero que gostem!

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  5. Belo descrever de um café que começa logo por ser uma saudade de vistas, a breve, para os leitores. Já vão existindo poucos lugares assim; com esse convite a poder ler e fazer jus a um arábica fumegante colocado com simpatia. Parabéns a Mary e a Luís, pelo ombrear com tarefa( tão desmotivadora por vezes), o de manter um espaço desses aberto. O apontar, ainda, frustante, de a bela " Cintia" não ter uma livraria: que diria Eça, Ramalho e o Lord que mesmo coxeando procuraria o lugar indispensável das laudas impressas.

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  6. gosto muito de ir ao Saudade, com tb gosto de ir à Sapa, um pouco mais abaixo, embora em estilos diferentes.
    Lembro de quando o Saudade era Livraria, cheguei a ir lá e era um mundo de coisas... Outras livrarias : há a Plantier, na Tapada; a Bertrand no novo Forum e uma livraria excelente chamada Astrolabio, em Mem Martins!!

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